terça-feira, 26 de abril de 2011

Escolhemos o fim da privacidade


Talvez alguns usuários de iPhone tenham se surpreendido, na semana passada, quando descobriram que o telefone registra dados sobre a localização de seu dono a cada minuto. E que envia tudo para a Apple. A maioria, no entanto, é como o típico consumidor digital. Está anestesiada o suficiente para não dar a mínima. Pois bem: celulares Android fazem o mesmo, a diferença é que no lado do receptor dos dados está o Google. A única maneira de sustentar a internet atual é abrindo mão de alguma privacidade. É porque a moeda corrente na rede são os sinais. 

No jargão do Vale do Silício, signals, sinais, são cacos de informação. Sua localização geográfica. O número de links que uma página recebe. As línguas que um indivíduo fala. Sua velocidade de acesso à internet em cada momento do dia. A internet foi deficitária até a virada do século. Se virou um negócio formidável capaz de criar gigantes como Google, Facebook ou Amazon, é por dois motivos. Primeiro: estas empresas aprenderam a processar estes sinais e tirar conclusões a partir deles. Segundo, estas conclusões valem dinheiro, seja em propaganda, seja na venda direta de produtos. 

A capacidade de nos provocar a ceder sinais é o que está no fundo das estratégias no Vale. Ao Facebook, cedemos um mapa de nossas relações sociais. Ao dividir artigos, entregamos nossos interesses. O Facebook sabe quantos filhos temos, quantas namoradas listamos ao longo dos anos, em quais cidades vivemos. 

Parece muito? O Google sabe tudo o que nos atiça a curiosidade. Até mesmo aquelas buscas feitas em segredo, quando a madrugada já chegou. O Google sabe, via Gmail, com quem nos correspondemos e o que está nessa correspondência. Se usarmos um celular ou tablet Android, ele sabe por onde andamos. 

Não é só informação pessoal. Some toda a informação enviada por todos estes celulares e o Google tem um mapa vivo de como é a internet, que redes wi-fi existem pelo mundo, a que velocidade trafegam, qual a qualidade da internet celular. E sabem que lojas há na vizinhança de cada um destes pontos. 

Questionadas, de presto estas empresas dizem que a informação é anonimizada. Estes sinais não passam por mãos humanas. São processados por computadores que rodam programas de análise sofisticados, capazes de dar a propaganda certa no momento exato ou oferecer o produto que buscamos. 

Não há almoço grátis. Informação pessoal é o preço do Google. Do Facebook. E, sim, aplique modelos estatísticos a todos estes sinais acumulados e eles revelarão um retrato de como somos, humanos, como jamais houve. Muda profundamente marketing, comunicação, a própria economia. Muda-nos a todos. Estamos na pré-história desta economia movida a sinais acumulados digitalmente. 

Privacidade tem motivo de ser. É nossa capacidade de controlar quanta informação cada indivíduo tem a nosso respeito que nos permite delimitar graus de intimidade. Sem este poder, não conseguiríamos estabelecer relações. Um computador analisando friamente estes dados não seria ameaça.
Governos, por outro lado, são ameaça. Se uma empresa acumula dados que podem nos identificar a interesses que preferimos ter como privados, há risco. Ao governo, basta uma ordem judicial. Numa ditadura, nem isso. Não são só governos que ameaçam. Uma empresa pode ser confiável hoje, mas e amanhã, quando for comprada por outra, quando estiver em crise, quando mudar de presidente? 

Mas nós escolhemos usar o Facebook. Assim como escolhemos ter iPhones, buscar no Google. Todos nos prestam serviços valiosos. Ao escolher uma pizzaria e chegar até ela pelo GPS, ao comprar um ingresso de cinema ou encontrar aquele amigo de infância perdido, nossa vida fica mais fácil e, algumas vezes, até mágica. Entre a privacidade e a mágica, já fizemos nossa escolha. Ao fazê-la, disparamos uma máquina econômica. Empresas maiores e menores investem na produção, análise e monetização de nossos sinais. 

Elas sabem onde é que estamos. Isso é bom. E é ruim. 

Por Pedro Dória

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